quarta-feira, 30 de outubro de 2013

“Cancro com Humor” – uma fórmula de sucesso



Marine Antunes - palestra na Marabô (Outubro 2013)


Nasceu em França, a 13 de Fevereiro de 1990 e vive em Ourém. Licenciou-se em Comunicação Social e parece uma jovem como tantas outras, mas Marine Antunes é uma verdadeira força da natureza. Com 13 anos enfrentou uma das maiores adversidades da vida: o cancro – esse bicho feio que a mudou e fez dela uma pessoa mais consciente e responsável, mas que não lhe tirou a alegria de viver e o humor que tão bem a caracteriza.

Juntar as palavras “cancro” e “humor” na mesma frase parecia-me uma tarefa impossível, até que conheci a Marine e o seu trabalho, visível no blog “Cancro com Humor” e na associação sem fins lucrativos com o mesmo nome. Fiquei absorvida pela forma como ela trata a doença, quase como se lida com um daqueles vizinhos de quem não gostamos, mas que cumprimentamos todos os dias por respeito. Por isso, quando a convidei para o “Na história da gente”, avisei-a que teria que ser ela a colocar-me travões, mas a Marine não o fez. Respondeu a tudo sem tabus, sem rodeios e mostrou um lado diferente do que mostra no seu blog: mais sensível, cautelosa e com medo também. Garante que fala com o cancro todos os dias, mas sempre de forma “muito tranquila, muito positiva”, porque “se não fosse esta patada eu não teria aprendido muitas coisas.”

As mensagens positivas da Associação Cancro com Humor
A aventura iniciou-se em Janeiro de 2013, quando Marine começou a contar ao mundo a sua história, através do blog. O objectivo era verificar se a fórmula “Cancro com Humor” passava na prova de fogo, ou seja, se seria aceite e compreendida. E, atrevo-me a dizer, que os resultados obtidos foram largamente superiores aos que esta antiga carequinha esperava, pois diariamente é visível a mudança que este projecto provoca na vida de muitos doentes de cancro, familiares e amigos: “as pessoas têm reagido muito bem. Estou sempre pronta para as reacções serem negativas e tenho tido a sorte de serem sempre positivas. Consigo perceber exactamente aquilo que somos, para onde vamos.” E é esta certeza, esta garra que cativou quem duvidava das suas capacidades. “Confia em mim. Sei o que faço” - dizia muitas vezes antes de se lançar nesta façanha que está prestes a dar novos frutos: o livro está pronto e é uma questão de dias até chegar às livrarias. Tudo ganha ainda mais importância ao sabermos que Marine está a fazer tudo com o coração, pois todo o seu trabalho não tem retorno financeiro: “Faço tudo voluntariamente e com todo o amor possível. Sei que erro, que digo coisas mal ditas e não faz mal e não me vou martirizar por isto. Sei que faço companhia às pessoas.” Além da associação, do blog, do livro e das palestras que dá por todo o país, Marine ainda arranjou tempo para escrever uma peça de teatro sobre a temática, destinada aos mais novos, denominada “É cancro, é pois é?”. Considera este “o maior desafio” que tem em mãos, pois falar sobre esta doença numa vertente infantil, divertida, sem tabus e desmistificando a quimioterapia não é tarefa fácil. Para isso, criou uma jovem personagem cheia de Careca Power “encantadora, lutadora, com as suas falhas e com os seus medos, muito real, mas muito poética também”, para que “as crianças se sintam orgulhosas da sua luta e pensem que aquela é também a sua história.”

O livro "Cancro com Humor" será lançado no próximo dia 09 de Novembro
E a história de Marine com o cancro começou aos 13 anos, quando lhe foi diagnosticado um linfoma non-hodgkin, motivo pelo qual tinha falta de apetite, cansaço extremo, nódoas negras, dores fortes na coluna, suores nocturnos e febre constante. “Na altura, não percebi bem o que estava a acontecer”, confessa. “Reagi mal apenas na primeira noite que fiquei internada em Coimbra. Pela primeira vez estava sozinha e percebi que iria viver a minha vida de forma diferente das outras crianças.” Realizou tratamentos de quimio e radioterapia e, em menos de um ano, Marine melhorou, muito graças à forma inspiradora como lidou com estas pedras no caminho que lhe permitiram começar a construir o seu castelo, como diz o poeta. “Nunca achei que iria deixar este Mundo em tenra idade, era e é obrigatório, para mim, viver com o pensamento positivo na cabeça.” Mas isso não a torna inconsciente ou iludida, pois “a ideia da morte é uma ideia permanente, mesmo que pensemos que não vamos morrer, vemos os outros morrer e, por isso, sabemos que é uma possibilidade.” E Marine tem medo de “passar a viver num mundo sem as minhas irmãs ou os meus pais - o que o tornaria insuportável, e de me tornar um ser também insuportável. Mas, felizmente, sou crente e por isso mesmo, acredito que a morte não é necessariamente o fim e que estaremos sempre ligados aos nossos verdadeiros amores.” Durante esta viagem, muitos não tiveram a mesma sorte – “Praticamente, todas as pessoas que conheci e convivi durante os meus internamentos, faleceram. É tão avassalador e intenso que não o sei exprimir. Posso apenas dizer que essas dores, essas perdas são a razão para sofrer de pesadelos crónicos, há mais de dez anos.” É, aliás, durante a noite que se permite ser mais negativa, pois sabe que quando acordar, terá novamente um sorriso nos lábios e uma palavra amiga para quem precisa. “A noite pode ser muito violenta. Estou mais cansada, a minha adrenalina já acabou e tenho todas aquelas memórias negativas. É o período em que rezo, reflicto, penso nas pessoas que já partiram, nos carequinhas e suas aflições. Sofro com eles.” E, por isso, utiliza o humor como um escudo protector: “Rir não significa que não estejamos a sofrer, muito pelo contrário, pode até ser uma defesa, uma máscara, mas não pode ser visto como indiferença.” Para o futuro, os seus desejos são simples: “No dia em que eu não estiver aqui, espero que o Cancro com Humor nunca morra e que as pessoas se continuem a inspirar umas às outras e que seja uma corrente de positividade. Este é o maior legado que eu poderia deixar. Espero mesmo, independentemente das voltas que a vida dá, que eu nunca deixe de fazer as coisas com um propósito, porque acho que não seria mais eu.”

Marine diz muitas vezes que se não fosse o cancro seria “uma miúda mimada e prepotente” e quem a conhece sabe o quão longe isto está da realidade. Hoje, com 23 anos, é uma daquelas pessoas que dá gosto de conhecer e com quem apetece falar horas a fio, sobre a vida e a morte, os sonhos e os medos, o tudo e o nada.


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