quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Quando a música portuguesa faz sentido




Miguel Lestre é natural de S. João da Madeira, tem 26 anos e é um jovem de muitos talentos: ele canta, toca baixo e guitarra e escreve, como poucos conseguem fazer. Faz parte dos Prana e d’Os Ursos, uma banda de covers. Não gosta de ser o centro das atenções, pois acha “que uma banda deve ser banda, e a partir do momento em que nos assumimos como uma entidade composta por várias pessoas é como se te apresentassem alguém e só te apresentassem uma perna. Sinto-me como se estivessem a deixar de parte a bateria, a guitarra…”

Conheci o Miguel por acaso, na despedida de solteira de uma amiga, na qual ele nos presenteou com duas canções e abrilhantou a noite. Daí a familiarizar-me com o trabalho dos Prana foi um instante e a surpresa mais que agradável: gente nova a dar sentido à música portuguesa. Há quem os compare com os Ornatos Violeta, uma das bandas de referência de Miguel: “Não há como negar as evidências. Não posso negar que cresci a ouvir e a adorar aquilo. E foi um dos motivos principais para começar a escrever em português - achava aquilo lindo e pensei como é que ninguém se digna ao desafio de escrever em português?” E Miguel cumpre bem esse desafio, sendo ele o autor das letras deste grupo cujo nome significa “energia vital.”

O seu percurso na música “aconteceu de forma natural: passei pelo corredor, vi as guitarras e pensei por que não? Partiu de mim.” As guitarras de que fala pertenciam ao pai, que em tempos também fez parte de uma banda de rock, e que foi quem o educou musicalmente. Cresceu a ouvir “Doors, Pink Floyd – aquele que eu considero ser o género certo de música.” A escrita, por sua vez, surgiu mais tarde, e, primeiramente, em inglês, “quando formei a minha primeira banda, os The Root of Sound”. Com este projecto, Miguel perdeu o medo do palco e ganhou experiência para o grande desafio da sua vida: os Prana, cujo início foi há oito anos, na sequência de encontros de amigos, nas noites quentes de Verão, num jardim em S. João da Madeira - o mesmo jardim onde nos encontramos para a entrevista. Miguel e João Ferreira (guitarrista) juntaram-se a Diogo Leite (baterista) e a André Oliveira, que entretanto deixou a banda. Hoje, nas teclas do grupo está Miguel Ferreira, que também colabora com os Clã.



Os The Root of Sound passaram a fazer a parte do passado, pois, para Miguel, o projecto Prana “fazia muito mais sentido, era uma coisa muito mais ambiciosa e podia chegar mais longe.” Foi uma questão de meses desde que formaram o grupo até irem para estúdio gravar. Depois do EP "1", surgiu o primeiro álbum “Trapo Trapézio”, em 2011, e com ele a nomeação para os Novos Talentos Fnac, com o single “Etanol”: “Recebemos a notícia com uma alegria que não consigo descrever! Não tínhamos dinheiro nessa altura, porque foi no pós-pagamento de álbum, e mesmo assim fomos todos jantar fora!” Para breve está o lançamento do segundo álbum de originais, “O Amor e Outros Azares”, cujo single “Sapatos de Pedra” já toca em algumas rádios, um mundo que, na opinião de Miguel, “é um pouco ingrato, porque o processo é algo injusto. Há muitas bandas com uma qualidade incrível e que nunca vão ver a luz do dia, quero dizer, que nunca vão conseguir chegar a uma rádio. O mundo das rádios está um pouco viciado. Eu considero que os seleccionadores estão à procura de coisas muito específicas e rara é a rádio que se abre um bocadinho e deixa entrar coisas novas, que decide arriscar. Gostava que as mentes fossem mais abertas.”


 “Todos os trabalhos tiveram a sua dose associada de gozo e prazer. O EP porque era o primeiro e foi uma experiência espantosa. O Trapo Trapézio porque foi o primeiro álbum que fomos gravar à Valentim de Carvalho e foi uma experiência surreal. Este (O Amor e Outros Azares) foi diferente, pois temos uma nova pessoa nas teclas, temos mais maturidade. Já não éramos uns putos a visitar o Jardim Zoológico pela primeira vez.” – afirma Miguel, que não esconde a ansiedade. “Há sempre nervosismo. Não é que o Trapo Trapézio tenha corrido mal. Correu muito bem para primeiro álbum de uma banda, pôs-nos a tocar nas queimas das fitas. Mas chegamos a esta fase e ficamos receosos e demasiado autocríticos. Mas depois mostramos às pessoas, principalmente aquelas que são absolutamente honestas, e elas dizem que o álbum está muito mais maduro, muito mais consciente. Diria que as expectativas estão cautelosamente altas.” E foi precisamente no concerto na Queima das Fitas do Porto, em 2012, que um imprevisto aconteceu: “estavam perto de 50 mil pessoas à minha frente quando eu subi ao palco. E nenhum de nós tinha tido uma experiência que fosse remotamente parecida. Mal começámos a tocar a primeira música eu esqueci-me completamente do primeiro verso – coisa que nunca me tinha acontecido. Mal nos passou a barreira de gelo de termos de ultrapassar aquela gente toda, divertimo-nos muito em cima do palco.” E é isso que os Prana pretendem com a sua música: “queremos que as pessoas saiam dos concertos com um sorriso na cara, que se identifiquem connosco. Esta é a melhor parte, sentir isso nas pessoas, desde as mais novas, até às mais velhas.”

Este cantautor trabalha como programador numa empresa de moldes, em Oliveira de Azeméis, e estudou Medicina Tradicional Chinesa, com o objectivo de “criar outro caminho para mim. Eu tinha uma certa curiosidade em relação ao tema, ainda que fosse um bocadinho céptico.” Mas a música é a sua verdadeira paixão e se for necessário mudar de cidade, não hesita em fazê-lo: “A nossa agente diz-nos que a capital é o sítio onde as coisas acontecem, ainda que se possa começar no Porto, é muito mais difícil conquistar o país se não conquistares Lisboa. Por isso, uma eventual mudança poderá acontecer se se proporcionar isso, mas de forma natural.” De forma natural decorre também o processo de criação: “com os Prana quase sempre surge primeiro a música do que a letra. Eu deixava que a música, ou os acordes, ou as notas influenciassem o tema. Inspiro-me na música virgem, sem letra por cima. Ultimamente andamos a explorar o outro lado, que é ter uma letra e aplicar uma melodia em cima daquilo e chego à conclusão que me permite que a música seja muito mais livre. A partir do momento em que tens um bloco de letra, a música pode ir por onde tu quiseres.”

Além dos Prana, Miguel faz parte d’Os Ursos, juntamente com João e Diogo, uma banda que veio preencher uma lacuna: a dificuldade que um grupo de originais tem em arranjar concertos “sentimos necessidade de criar um projecto paralelo, mais barato, que marcasse pela diferença – então formamos uma banda de covers, disfarçados de ursos.” Sim, leu bem! Disfarçados de ursos era a ideia inicial, porém “já tínhamos nome, concertos marcados e músicas ensaiadas. Na véspera do concerto, lembrámo-nos de comprar os fatos, mas só encontramos de um leão, de um lobo e de um macaco. Pelo que a banda se chama Os Ursos e não há um único urso na banda. Por isso quando nos perguntam sobre o nome, dizemos que tem muito mais a ver com a personalidade do que com os fatos.” Quanto à reacção do público: “por norma, as pessoas já sabem para o que vêm, mas nunca esperam que seja um rock tão incisivo, como é o nosso projecto. Como estamos disfarçados, as pessoas estão à espera de ouvir músicas para crianças. É costume vermos crianças nos concertos, que saem ao fim de quatro músicas, mas puxadas pelos pais, porque os putos até estão a curtir o rock.”

O céu é o limite para os Prana, para o Miguel: “ainda que seja um patamar um pouco tremido, ainda que seja um sítio frágil, tenho a certeza que é este o caminho certo. Tenho muito receio da fama rápida. Portanto acho que estamos a viver o sonho. Estamos na parte certa do sonho.” “Uma boa carreira é construída com alicerces fortes” – e eles ainda vão dar muito que falar.


©António Loureiro - Prana, Casa da Criatividade (S. João da Madeira, Setembro 2013)
 
Curiosidades:
- Data de nascimento: 17-06-1987
- “Quando tinha 8 ou 9 anos, participei num concurso de canto, promovido pela Rádio Clube da Feira. Cantei Postal dos Correios, dos Rio Grande, e cheguei à final, com mais dez raparigas. Mas não ganhei. Só disseram o nome dos três primeiros classificados e eu não estava lá.”
- “Na festa de finalistas do 4º ano, a minha professora pediu um voluntário para cantar uma música dos Delfins, A Queda de um Anjo, e como eu também sou Miguel Ângelo (à semelhança do vocalista), decidi arriscar.”
- Ouvir-se na rádio “soou mais estranho na Etanol, porque foi a primeira vez. Não é que esteja habituado. Claro que há sempre um orgulho associado, mas, neste momento, a minha posição é um pouco mais crítica: estar atento a como a música soa na rádio, pois soa sempre diferente.”
- Banda de referência: Radiohead
- Música preferida: Summertime (versão de Janis Joplin)
- Escolhia para cantar com os Prana: Selma Uamusse , dos Wraygun, e Elisa Rodrigues
- Gostaria de compor uma música com Carlos Paião ou Manuel Cruz

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