quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

As histórias que os rostos nos contam




Elas também contam histórias. Abordam as pessoas na rua e ouvem-nas. Conversam com elas até que venha ao de cima aquele pormenor, aquele acontecimento marcante e distintivo. E depois fotografam. Conseguindo quase captar a essência de cada um. Como se a imagem fosse a radiografia da pessoa. A Catarina, a Daniela e a Erge criaram o Humans of Porto para puxar “o que de mais interessante há em cada um”, tendo a Invicta como cenário.

O projecto é uma adaptação do bem-sucedido e reconhecido Humans of New York, mas adapta-se às especificidades do Porto e das suas pessoas. A história tanto pode ser sobre o turista, como sobre a vendedora de flores no Mercado do Bolhão. O que importa “é aquilo que as pessoas nos transmitem. No início foi um pouco à sorte, depois percebemos que tipo de abordagem resultava melhor. É um processo de aprendizagem que ainda está a acontecer”, afirma Catarina Costa, especialista em videografia. Olham para alguém e têm um palpite “aquela rapariga deve ter alguma coisa para nos contar e vamos e começamos a puxar conversa”, completa Daniela Espírito Santo, jornalista. A completar a equipa, a fotógrafa Erge Sonn, natural da Estónia e estudante de Erasmus, aceitou logo o convite para integrar o Humans of Porto, quando conheceu o projecto homólogo da cidade que nunca dorme. Complementam-se no talento e na paixão pela história e por aquilo que cada rosto parece contar.

 
Encontraram-se duas vezes e estava decidido: o Humans of tinha que existir no Porto. A página do Facebook foi lançada oficialmente a 1 de Dezembro de 2013, numa altura em já tinham várias histórias publicadas, o que lhes permitiu apresentar desde logo algum trabalho feito. Aos poucos vão ganhando reconhecimento – até já foram abordadas na rua por alguns fãs, mas ainda se deparam com alguns entravas, principalmente das pessoas mais velhas, como conta a Daniela: “No início, alguns não percebem o que estamos a fazer. Pensam que estamos a tentar vender alguma coisa. Outras pessoas adoram o projecto, mas quando dizemos que é para publicar não querem, porque ainda há um estigma em torno do Facebook, especialmente com as pessoas mais velhas. E depois há aqueles desconfiados sobre o que fazemos, mas depois tornam-se alguns dos nossos maiores fãs e fazem gosto em todas as fotos e mandam mensagens.”

As três participam no projecto de forma “democrática”, escolhem as pessoas juntas, editam os textos em conjunto, de modo a que todas estejam envolvidas. Contudo, e apesar de habitualmente saírem as três juntas à caça de histórias, não perdem uma oportunidade quando a história vai ter com elas – afinal é nos acasos da vida que se encontram algumas das maiores surpresas. Garantem que abordam “muita gente e tentámos não sair da beira da pessoa enquanto acharmos que ela tem alguma coisa para nos contar, que tem algo para partilhar connosco.” A Daniela afirma que têm consciência da dificuldade que é em apenas alguns minutos de conversa conhecer bem as pessoas, por isso, tentam puxar sempre pela “história mais genuína e que nos diga quem a pessoa realmente é. E fazemos isso no texto e na fotografia. E a maior parte dos elogios que recebemos passam por aí, porque as pessoas dizem isto sou mesmo eu, eu rio-me assim. É tão difícil fotografar estranhos e mostrar quem eles são. Mas é isso que nos dá gozo.” Um gozo especial por acontecer na cidade do Porto, uma cidade “inspiradora e com contrastes muito interessantes”, de acordo com a Catarina. A paixão pela Invicta é partilhada pela Erge que não fala português, mas percebe a maioria das conversas. Aliás, a estudante apaixonou-se de tal forma pela cidade que gostaria de regressar um dia, sem bilhete de volta para a Estónia: “acho que as pessoas são mais abertas, é mais fácil conversar com elas. São amigáveis, genuínas e honestas.” Questionei-a se pensa em criar o Humans of Estonia ao que me respondeu que não, porque “os estonianos são mais desconfiados e perguntariam por que é que que estás a falar comigo?

Há quem deixe uma mensagem para o mundo, há quem recorde pormenores da juventude que julgavam esquecidos, outros param um pouco para pensar em quem são e para onde querem ir. Mais que um retrato textual e visual das pessoas, as três jovens potenciam uma espécie de reencontro connosco próprios.


As histórias mais marcantes
Foto: Erge Sonn
Daniela
“A minha história preferida aconteceu por acaso. Não foi algo que nós procurámos. Fui estacionar o carro e dei por mim a falar com um arrumador, sem-abrigo, que nos contou uma história inacreditável e que, para mim, é sem dúvida umas das mais marcantes do Humans. Marcou-me porque não estava à espera. Tens alguma expectativa em relação a determinada pessoa por causa dos estereótipos e depois, porque ele foi tão bem educado, tão bem falante. E a história dele revoltou-me e apetecia-me mudar-lhe a vida. E é por histórias como esta, que merecem ser contadas, que criámos esta página.”



Foto: Erge Sonn


Catarina
“A minha preferida é a de uma senhora que estava à janela e quando começámos a falar com ela perguntei-lhe como tinha sido o seu primeiro beijo. Ela ficou tão corada, que parecia que estava a ver uma criança a reviver o passado. Ela não conseguia dizer como foi. Só apontava para a cara foi aqui e aqui.”





Foto: Erge Sonn

Erge: 
“Gosto das histórias mais estranhas, como a do homem que cozinhava peixe na rua. E eu a pensar, como é que que aquilo era possível, com os carros a passar… Mas ele era feliz com aquilo. E para ele é normal. Eu gosto dos detalhes. É interessante ver as diferenças culturais.”



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