quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

As idades que se transformam em histórias




Em 2003 começaram a trabalhar juntas e rapidamente se tornaram amigas. Como tantas outras partilham sonhos, vontades e aspirações. Da amizade entre Cláudia Cunha e Paula Azevedo nasceu o projecto Idades com história, “dada a nossa curiosidade pelas histórias de vida e do percurso dos adultos com que lidávamos nas formações.”

Fartas de ouvir sobre a falta de emprego em Psicologia, área de formação de ambas, e de se questionarem sobre o futuro, Cláudia e Paula decidiram aliar os seus conhecimentos e experiência profissional para criar um projecto que lhes trouxesse uma maior realização pessoal e que lhes permitisse trabalhar com os seniores, que, de acordo com os Censos de 2011, constituem 19,2% da população portuguesa (adultos com idade igual ou superior a 65 anos). Um número que aumenta a cada dia. “Queríamos fazer algo que gostássemos e que nos realizasse”, afirma Paula. Perceberam, então, que a oferta na área da Psicogerontologia está em crescimento, por isso, arregaçaram as mangas e “meteram mãos à obra”, até porque, tal como Cláudia afirma “no futuro haverá mais oportunidades de trabalho nesta área, porque as necessidades desta população assim o exigem”.

A ideia surgiu de um livro oferecido à Paula por uma das suas formandas “onde estava incluída parte da sua história pessoal e achámos interessante pensar no percurso de pessoas que têm histórias para contar e que querem também mostrá-las a outras gerações.” Foi o momento em que perceberam o que queriam fazer, como e para quem, sem negar a admiração pelo público-alvo do Idades com história. “Lidámos com pessoas de 60 e 70 anos que continuavam a investir em formação e são pessoas activas. E foi com muitas dessas pessoas que até estabelecemos alguns laços mais próximos, porque surpreendem-nos por serem tão capazes com aquela idade, por se mostrarem com mais energia do que alguns jovens” assegura Cláudia. Por sua vez, Paula refere: “gosto do contacto com as pessoas mais velhas, porque em termos de conversa e discurso são muito interessantes.”

Aproveitaram uma situação de desemprego para, em Maio de 2013, começarem a trabalhar afincadamente no projecto, que se encontra dividido em três vertentes: as histórias de vida; os programas de promoção de uma vida activa; e a consulta psicológica. Todo o trabalho é dirigido aos seniores e aos seus cuidadores. A parte das histórias de vida, retratadas em livro, é a mais trabalhosa, pois implica o planeamento e realização da entrevista, passando pela produção e impressão da obra. Mas é ao mesmo tempo o serviço mais solicitado. Por vezes são os próprios familiares a quererem oferecer um presente especial aos seus avós e nada melhor que um personalizado e adaptado livro, onde as memórias que estavam guardadas no baú ganham nova vida. E é para as duas jovens a parte mais gratificante, como diz Paula: "as pessoas emocionam-se quando falam connosco. Falam de coisas que já estavam esquecidas. Com aquele fio condutor de contar a história desde que nasceu até agora vão-se relembrando.” A reacção ao seu trabalho resume-se numa palavra “emoção”. A Cláudia destaca o caso de um professor de yoga a quem dois alunos ofereceram o livro: “disse que o trabalho está fantástico. Como é que da nossa conversa de duas horas conseguimos elaborar este trabalho. Ele próprio tinha dito que um dia ainda escrevia um livro, mas foi antes surpreendido quando recebeu este. Disse que todas as pessoas a quem o mostrou gostaram imenso.”

Estabeleceram um horário de trabalho, no qual vão realizando as várias tarefas que vão surgindo: tratam da divulgação da empresa junto de instituições que lidam com a população sénior, respondem a solicitações, preparam conferências, cujo objectivo “é sensibilizar para a importância das histórias e memórias de vida – salientamos sempre a questão da estimulação cognitiva, que permite retardar alguns declínios típicos da progressão da idade.” Apesar das dificuldades inerentes a qualquer projecto novo e que pretende mudar mentalidades, o apoio tem sido constante, principalmente por parte de um amigo especial a quem chamam o “padrinho” do Idades com história, Daniel Serrão, para quem criaram um livro especial. O sucesso da obra é tal que o professor o leva para todo o lado, chamando-lhe “a minha fotobiografia”. A este propósito, foram feitas mais edições, numeradas e autografadas, para venda na livraria Lello, uma das mais conceituadas da cidade do Porto e do país.

Com tudo isto, as duas meninas de sorriso fácil sentem-se realizadas “embora com a consciência de que para ser o nosso projecto de vida e tenha uma base sólida ainda há um longo percurso pela frente. O facto de estarmos a trabalhar nós, para nós, a depender de nós é uma vantagem” afirma Cláudia, tendo em Paula uma aliada não só no trabalho, mas também nos ideais: “é recompensador fazermos o trabalho e depois termos o feedback das pessoas que nos faz sentir muito bem e com vontade de fazer mais. No caso deste projecto acabamos sempre por estar a ajudar alguém, quer com os livros, quer com as consultas e mesmo nos workshops e nas formações. E isso é importante.”


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